As células renais também podem criar memórias. Pelo menos, num sentido metafórico.
Os neurônios têm sido historicamente as células mais associadas à memória. Mas muito fora do cérebro, as células renais também podem armazenar informações e reconhecer padrões de forma semelhante aos neurônios, relataram pesquisadores em 7 de novembro em Comunicações da Natureza.
“Não estamos dizendo que esse tipo de memória ajuda você a aprender trigonometria, a lembrar como andar de bicicleta ou a armazenar memórias de infância”, diz Nikolay Kukushkin, neurocientista da Universidade de Nova York. “Esta pesquisa acrescenta à ideia de memória; não desafia as concepções existentes de memória no cérebro.”
Em experimentos, as células renais mostraram sinais do que é chamado de “efeito de espaço em massa”. Essa característica bem conhecida de como a memória funciona no cérebro facilita o armazenamento de informações em pequenos pedaços ao longo do tempo, em vez de grandes pedaços de uma só vez.
Fora do cérebro, células de todos os tipos precisam acompanhar as coisas. Uma maneira de fazer isso é por meio de uma proteína central no processamento da memória, chamada CREB. Ele e outros componentes moleculares da memória são encontrados em neurônios e células não neuronais. Embora as células tenham partes semelhantes, os pesquisadores não tinham certeza se as partes funcionavam da mesma maneira.
Nos neurônios, quando um sinal químico passa, a célula começa a produzir CREB. A proteína então ativa mais genes que alteram ainda mais a célula, dando início à máquina de memória molecular (SN: 03/02/04). Kukushkin e colegas decidiram determinar se o CREB em células não neuronais responde aos sinais recebidos da mesma maneira.
Os pesquisadores inseriram um gene artificial em células renais embrionárias humanas. Este gene artificial corresponde em grande parte ao trecho natural de DNA que o CREB ativa ao se ligar a ele – uma região que os pesquisadores chamam de gene de memória. O gene inserido também incluía instruções para a produção de uma proteína brilhante encontrada em vaga-lumes.
A equipe então observou as células responderem a pulsos químicos artificiais que imitam os sinais que acionam a maquinaria da memória nos neurônios. “Dependendo da quantidade de luz (a proteína brilhante) produzida, sabemos com que intensidade esse gene da memória foi ativado”, diz Kukushkin.
Diferentes padrões de temporização de pulsos resultaram em respostas diferentes. Quando os pesquisadores aplicaram quatro pulsos químicos de três minutos separados por 10 minutos, a luz 24 horas depois foi mais forte do que nas células onde os pesquisadores aplicaram um pulso “concentrado”, um único pulso de 12 minutos.
“Este efeito (espaçado em massa) nunca foi visto fora do cérebro, sempre foi pensado como uma propriedade dos neurônios, de um cérebro, como a memória é formada”, diz Kukushkin. “Mas propomos que talvez se você der às células não cerebrais tarefas complicadas o suficiente, elas também serão capazes de formar uma memória.”
O neurocientista Ashok Hegde chama o estudo de “interessante, porque eles estão aplicando o que geralmente é considerado um princípio da neurociência para compreender de forma ampla a expressão genética em células não neuronais”. Mas não está claro até que ponto as descobertas são generalizáveis para outros tipos de células, diz Hegde, do Georgia College & State University em Milledgeville. Ainda assim, ele diz que esta pesquisa poderá algum dia ajudar na busca de potenciais medicamentos para tratar doenças humanas, especialmente aquelas onde ocorre perda de memória.
Kukushkin concorda. O corpo pode armazenar informações, diz ele, e isso pode ser significativo para a saúde de alguém.
“Talvez possamos pensar nas células cancerígenas como tendo memórias e pensar no que podem aprender com o padrão da quimioterapia”, diz Kukushkin. “Talvez precisemos de considerar não apenas a quantidade de medicamento que estamos a administrar a uma pessoa, mas também qual é o padrão temporal desse medicamento, ao mesmo tempo que pensamos em como aprender de forma mais eficiente.”
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